
Mais uma vez minhas mãos estão sujas com o sangue de alguem que amo.
De joelhos nús na terra molhada de orvalho, eu apenas observo o corpo inerte de alguem que, um dia num passado que me parece distante agora, já chamei de amigo...
O cheiro forte e ferroso de seu sangue espalhado, começa a atrair insetos e outros seres carniceiros, sedentos por um banquete fácil na noite. Zumbidos, criques, choros e lamúrias, tudo se transforma numa cacôfonia fúnebre sobre o véu prateado da mãe Luna.
Tento me levantar, mas minhas pernas não obedecem. Tento usar meu braço como apoio, mas é inútil. A perfuração foi profunda, rasgou pele, carne e músculo. Fraturou meu osso em vários pontos, além da perda massiça de sangue , a dor é escruciante. Mas ainda estou vivo, mais um dia.
Por um tempo, nada passa por minha mente...
- AAAAAAAAARRRRRRRRRRRRRRRRRR !!!!
Tenho a sensação que meu peito vai explodir. Não consigo conter as lágrimas, que jórram de meus olhos como uma chuva triste de inverno. A visão se turva e a respiração fica arfante.
- Me perdoe... Por favor me perdoe.
Eu falhei.
Minha missão era proteger minha matinha, meus amigos, meu território. Mas fui incapaz. Permiti que esse espírito invadisse nosso locus. Permiti que ele se materializasse em nosso mundo.
Permiti que ele lhe dominasse o corpo e a alma. E agora, você jaz multilado no chão, vítima não só de minhas garras, mas de minha própria incopetência.
- Não foi culpa sua, irmão. Pelo menos, não só sua.
Disse meu alfa. Nem o notei se aproximando.
- Deviamos ter notado a passagem dele antes. Mas os ataques dos puros no setor norte não podiam ser ignorados. Se ao menos o Willian ainda estivesse conosco...
A mensão do nome me faz abaixar os olhos. Perdemos Willian em uma emboscada a dois meses. Nosso melhor rastreiador. Talvez o melhor rastreiador que já existiu.
- Não temos tempo agora para chorar pelos mortos, o resto da matilha está tentando negociar com o "Esquina Escura" e sem sua presença para intimidá-lo, podemos perder bem mais esta noite.
Novamente, tento me levantar. As feridas mais graves já estavam se fechando, mas a dor ainda é alucinante. Minhas pernas vacilam um pouco, mas consigo me erguer. A visão do corpo dilacerado no chão me angustia.
- Eu sei como se sente, meu irmão. Todos nós já passamos por isso. O máximo que podemos fazer é lutar para que isso não aconteça novamente. Lutar para manter nosso território unido, limpo e seguro. Essa é a nossa missão. Apenas aceno com a cabeça. Arrisco um ultimo olhar para meu amigo.
- Sua morte não será esquecida. Vou caçar o bastardo que lhe dominou, e devorar suas entranhas enquanto ele grita por perdão.
Eu juro.
Me viro, e começo a seguir o Alfa, a passos apressados. O Esquina Escura é um espírito temperamental e violento. Possivelmente terei de lutar novamente.
Quantas vezes mais terei que matar? Quantos outras pessoas queridas eu vou precisar rasgar e sangrar...
Até que encontre o meu fim???
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